Apoftegmas

O significado da palavra Apoftegma.

D. Estevão Bettencourt O.S.B., uma das figuras mais brilhantes no monaquismo brasileiro e falecido recentemente, traduziu uma obra sobre o assunto publicada em 1979 pelas Edições Lumen Christi. Vou deixar que ele explique:
“Apoftegma é uma palavra grega que significa dito breve, por conseguinte sentença, máxima. Apoftegma dos Padres é a designação de sentenças breves proferidas por antigos cristãos que viviam no deserto, praticando oração e ascese; eram sentenças que propunham uma doutrina, uma norma de vida espiritual, ou narravam um episódio instrutivo, edificante, da vida desses ascetas; referiam assim ditos ou feitos de famosos homens de virtude.
O ambiente em que viviam tais homens santos é, em poucas palavras, o seguinte:
Os Apoftegmas nos transferem para o Egito ou, mais raramente, para o próximo Oriente (península do Sinai, Palestina) dos séculos IV/V. É então aí que começa a florescer o modo de vida cristã que é o Monaquismo: cristãos das cidades se retiravam para o deserto, onde passavam a residir a sós ou em comunidade, a fim de se entregarem totalmente a Deus, orando e purificando-se dos vícios com mais desimpedimento. A sua ocupação era o trabalho manual, geralmente a tecelagem de folhas de palmeira, linho, com as quais confeccionavam cordas, cestas, esteiras; esses artefatos eram ocasionalmente vendidos na cidade mais próxima, e com o seu preço os monges compravam o trigo necessário ao sustento próprio. Esta ocupação era a preferida porque não absorvia muito o espírito e permitia facilmente que a atenção do monge se voltasse para Deus e a oração, enquanto as mãos estavam ocupadas.
Os monges não raro iam ter uns com os outros, principalmente os jovens (chamados irmãos) com os mais velhos (ditos anciãos ou Abades = pais), a fim de se instruírem e edificarem sobre assuntos da perfeição cristã Por ocasião dessas visitas é que geralmente se originava um apoftegma, isto é, um dito ou um feito famoso. Esses apoftegmas, pungentes e impressionantes, eram guardados na memória de quem os testemunhava, e repetidos a outros monges, de região em região, de geração em geração. Difundidos oralmente no início, foram em breve colecionados por escrito pelos discípulos dos monges; várias coleções de apoftegmas foram assim compiladas.
Talvez as normas e práticas dos Padres do Deserto pareçam austeras demais e inexeqüíveis ao homem de hoje. À primeira vista, poderão mesmo ser tidas como simplórias e irrisórias.
Na verdade reconhecemos que a espiritualidade dos Padres do Deserto é fortemente caracterizada pelas circunstâncias (época e localidades) em que era vivida. Todavia essa mesma espiritualidade tem sentido até hoje para o cristão: ela serve de referencial ao discípulo de Cristo. Sim, Jesus exigiu de seus amigos ânimo heróico e decidido. ‘Quem não toma a sua cruz e me segue, não é digno de mim’ (Mt 16,37). Isto quer dizer que não é possível ser cristão sem disposições de magnanimidade e sem a capacidade de renunciar a tudo para poder seguir incondicionalmente a Cristo: ‘Não podeis servir a dois senhores’ (Mt 7,24).
Ora, os antigos monges exprimiam essa total disponibilidade para o Senhor mediante a vida no deserto, o silêncio contínuo, o jejum prolongado, as vigílias noturnas, o trabalho manual humilde... Hoje raros são aqueles que Deus chama a dar tal tipo de testemunho. Mas nem por isto o Senhor dispensa de heroísmo os seus seguidores; é em outras circunstâncias que o cristão de hoje deve exercer a sua capacidade de amor a Deus e ao próximo sem tergiversações. Aliás, o próprio Abade Isquirião predizia lucidamente o que haveria de acontecer e hoje sucede realmente: os cristãos têm cada vez menos a possibilidade de se dedicar a duras práticas de mortificação corporal, pois as condições de trabalho e a precariedade da saúde os impedem sempre mais. Todavia, os discípulos de Cristo são hoje colocados no turbilhão de grande e nova tentação: de reduzir a fé ao ‘bom senso’ ou de fazer do Cristianismo uma filosofia sem arestas nem desafios, uma filosofia ‘suave’ e tão somente humana... Pois bem, aqueles que, em meio a tal tormenta se mantêm incólumes, sustentando fielmente o que a fé tenha de escândalo e loucura (cf. 1 Cor 1,23), são heróicos e ‘atletas’ espirituais como o foram os Padres do deserto (segundo a insinuação do Abade Isquirião).
É, pois, esse heroísmo que se constitui em dever para o cristão de todos os tempos, que o texto dos Apoftegmas pretende manifestar e exemplificar. Possam os cristãos de hoje, através da leitura desses episódios, compreender que também eles são chamados a viver em generosidade, sustentando coerentemente a sua fé nos dias atuais! Entendidos nesta perspectiva, os Apoftegmas conservam sua atualidade e significação. Possam, pois, por graça de Deus, induzir, hoje ainda, muitos cristãos a produzir os frutos da vida espiritual que, desde a sua origem, eles têm suscitado no povo de Deus!”

A Trindade Santa, fonte de toda a Sabedoria, a Virgem Maria, a mulher simples e sábia de Nazaré, e o Nosso Pai S. Bento, um dos homens mais sábios e santos que a humanidade já viu, nos inspirem a fazer apenas aquilo que Deus quer.

Grande abraço do

Ir. Manoel