Canto Gregoriano

Canto Gregoriano, sons espetacularmente harmoniosos.

Dizem que um dia Jean Jacques Rousseau afirmou: “É preciso, já não digo não ter nenhuma piedade, mas até nenhum gosto, para preferir nas Igrejas outra música ao cantochão. Há neste muitas belezas que o tornam preferível a essas músicas efeminadas, teatrais e sensaboronas, que se fazem substituir a ele em algumas Igrejas, sem respeito para com o lugar que destarte se profana”.
Conta-se, ainda, que até o tristemente célebre Diderot ao ouvir entoar o majestoso Lauda Sion na procissão de Corpus Christi, se viu inteiramente forçado a curvar os joelhos e render adoração àquele Deus a quem negava. “Nunca pude ouvir, disse ele, aquele grave e impressionante hino entoado pelos padres e respondido por mil vozes de homens, mulheres e crianças, sem que o coração se me apertasse de estranhas e vivas emoções, e dos olhos se me rebentassem as lágrimas”.
Há pouco tempo o Papa Bento XVI pediu que se resgatasse este tipo de canto litúrgico nas Missas e foi duramente criticado porque pra muita gente isso significava um retrocesso, um retorno à velha Igreja pré-conciliar e um limite ao avanço de alguns setores eclesiais. Não concordo e tenho certeza que quem se dispuser a ouvir este estilo de Música, sem nenhum tipo de preconceito, vai entender e aprovar a idéia. Não se trata de impor o latim em substituição à língua vernácula. Mas, no meu humilde ponto de vista, não seria mal se, nas Missas dominicais, onde fosse possível, de vez em quando, fosse usado o Canto Gregoriano. Por exemplo: no Kyrie, no Glória, no Credo, no Santo e no Agnus Dei. O nosso povo já sabe o que cada um desses cantos significa no seu todo, mesmo que se ignore a tradução de certas palavras. É o que a gente faz aqui na Abadia da Ressurreição. Os outros poderiam ser os da Pastoral Litúrgica, levando em conta a índole do nosso povo e suas autênticas expressões artísticas, que variam de região para região.
O nosso primeiro Bispo Diocesano, D. Jaime de Barros Câmara, quando era Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, criou o Instituto Pio X, filial do Instituto Gregoriano de Paris, para divulgar a técnica dos Monges de Solesmes, conseguida após inúmeros trabalhos de pesquisa científica e histórica realizados por eles. D. Jaime dizia que “o valor e a beleza do Canto Gregoriano são tais que de Mozart, ou de outro corifeu da música, se diz que estava disposto a sacrificar todo o seu renome, se pudesse dizer-se compositor do Prefácio Gregoriano”.
Não sei se os meus leitores conhecem este tipo de canto litúrgico. Para quem não sabe do que se trata transcrevo a definição de S. Pio X:
”É o canto próprio da Igreja Romana, o único que herdou dos Antigos e que conservou ciosamente durante séculos, e que propõe aos fiéis como sendo diretamente o seu, e que prescreve exclusivamente em certas partes de sua liturgia”. M. Le Guennant, que foi Diretor do Instituto Gregoriano de Paris, complementa: “Pode-se afirmar que o Canto Gregoriano nos propõe modelos acabados de música viva, logo humana, logo indefinidamente atual e suscetível, portanto, de satisfazer às aspirações das almas sedentas de espiritualidade profunda”.
Sto. Agostinho dizia que em Milão ouvia essas melodias e como elas dispuseram sua alma para a conversão.
De onde vem este canto? Como e quando começou a ser cantado?
Mateus (26, 39) e Marcos (14, 26) contam que Jesus e seus discípulos, depois de cantar o hino, saíram para o Monte das Oliveiras. Pedro Griesbacherf, uma das maiores autoridades no assunto, afirma que foi na primeira 5ª. Feira Santa que nasceu a Liturgia Católica. Mas que hino foi aquele? Não se sabe ao certo mas, muito provavelmente, se tratou do Hallel (Sl. 113-118), todo ou em parte, ou então, do grande Hallel (Sl. 134-136).
Para se ter uma visão panorâmica da evolução do Canto Gregoriano, vamos dividir a sua história em 4 períodos, aproveitando o esquema da Ir. Marie Rose O.P.:
1º. O Começo - Ele nasceu com a Igreja e desde o início foi a expressão coletiva e oficial de sua oração. Na medida em que ela foi se expandindo (entre os gregos, latinos, na Ásia Menor e na África) novos elementos se misturaram às melodias primitivas. Por exemplo: os gregos contribuíram com os MODOS, os latinos com a notação derivada de acentos gramaticais, os Orientais com as estrofes (que originaram os Hinos) e as Antífonas. O interessante é que, mesmo com tantos elementos vindos de tantas culturas diferentes, se conseguiu uma unidade, que até hoje ninguém sabe explicar. Tudo o que era particular e que diferenciava, tudo que trazia a marca de raça, temperamento, moda e gosto efêmero foi deixado de lado, conservando-se apenas o que era capaz de unir, o que tocasse o fundo das almas, o que revelava a vida profunda de cada um e de todos. Formou-se, então, UM CANTO COLETIVO, de caráter universal. Não era a voz de um, não era a obra deste ou daquele, mas a VOZ, a OBRA DA IGREJA. A partir do séc. III a língua latina foi adotada pela Igreja Romana, para a sua Oração Oficial e Litúrgica. Nos séc. IV, V e VI desenvolve-se grande atividade litúrgica e musical (as duas sempre estão juntas).
2º. A Sistematização e Divulgação - Contribuição de S. Gregório I (o MAGNO):
a) Recolheu, escolheu, pôs em ordem as peças e deu-lhes um lugar no ciclo litúrgico, formando um repertório ou “Antifonário” oficial.
b) Reformou e aperfeiçoou os cantos já existentes e em uso.
c) Fundou a SCHOLA CANTORUM, Escola Superior de Música Sacra, para que o canto se conservasse puro e intacto, estudado com cuidado e executado sempre de um modo artístico.
Por causa da excelência da obra realizada por S. Gregório Magno, o canto litúrgico da cristandade latina tomou o nome de GREGORIANO. Sua simplicidade e clareza, sobriedade e precisão, severidade de linhas e harmonia das partes, caráter prático e bom senso logo atraíram a admiração de todos que vinham à Roma. Muitos Bispos desejaram, então, adotar a liturgia e o canto de S. Gregório em suas respectivas Igrejas. No séc. VIII o Príncipe Carlos Magno trabalhou muito para a sua propagação nas diferentes Igrejas do Ocidente.
3º. A Decadência.. Causas:
a) O abandono progressivo das tradições rítmicas, sobretudo após o emprego do alfabeto para designar as notas, a pauta e claves.
b) Surgimento de uma nova maneira de cantar as melodias gregorianas com o início da polifonia vocal. A melodia também sofreu certa deformação. Também o protestantismo, sempre se opondo aos hábitos católicos, lança a moda dos corais a 4 vozes. Assim caem as melodias gregorianas num período de total esquecimento.
c) A atribuição arbitrária de durações desiguais às diversas formas de notas, porque se desconheciam as origens da notação gregoriana.
d) A amputação das melodias e o modo pesado de cantá-las no Séc. XVIII. O Ritmo e a Melodia tornaram-se irreconhecíveis. Perdendo o Ritmo o Canto Gregoriano perdeu a sua alma. A música moderna, com seus novos autores que, desconhecendo o sentido das palavras da Missa, repetiam-nas a ponto de torná-las enfadonhas e insuportáveis.
e) O Renascimento, por causa do seu desprezo por tudo que era medieval.
4º. – A Restauração. Em 1847 foi descoberto o manuscrito bilíngüe de Montpellier, por Danjou. Em 1848 o Pe. Lambillotte entrega um preciosíssimo manuscrito de St. Gall, atribuído ao diácono Romanus. Em 1850, um ensaio de restauração, por uma comissão, sob o controle da Igreja, publicou a edição “REIMS & CAMBRAI”. Foi um progresso, mas insuficiente. Em 1856 D. Guéranger, Abade de Solesmes, inicia com seus monges os estudos dos manuscritos da França e consegue resultados surpreendentes, válidos até hoje.
Na nossa Abadia tentamos seguir a tradição, na medida do possível, mas inovamos sobretudo em 3 aspectos: cantamos o Ofício em Português, em alguns momentos usamos instrumentos (órgão, violão e flauta) e alguns cantos são cantados em Polifonia. Eu gosto do resultado e a venda dos nossos CDs parece indicar que o povo também aprovou.

A Trindade Santa, grande inspiradora dos artistas, a nossa Mãe Maria Santíssima que cantou um dos Hinos mais lindos do Novo Testamento (o Magnificat) e o nosso Pai S. Bento, que tanto valorizava os artistas e a Liturgia estejam sempre presentes na vida de vocês.

Um grande abraço do

Ir. Manoel